lugar-comum.

caleidoscopicamente existindo.

(é proibido proibir.)

terça-feira, março 27

desejou saber com exatidão onde ficava seu pequeno sinal de nascença, tentou se ver no espaço que havia. um reflexo fajuto, pensou. aço de cozinha não é espelho, mas quis a si mesma uma última vez. lembrou do seu rosto convexo de outrora e a comida intocada. mirava-se. cheirou o braço e se percebeu desagradável e sorriu. oito dias que sem banho, água somente para os dias dos bons humores. ultimamente por necessidades sociais, quatro, cinco vezes por mês. odiava não ter a pele seca, e, francamente, não estava com cabeça para sacrifícios. sentia-se abarcada pelo vento forte de um céu sem paredes. olhou em volta, estava realmente sozinha ali no topo. um ponto preto no horizonte, entre os prédios e nuvens, talvez fosse um pássaro cheio de vida dentro dele, mas um talvez naqueles instantes era muito pouco para ela. constatou: estava sozinha, era ela e outra ela no aço inox, uma companhia a não se considerar. o movimento desprezível lá do chão, reles formigas. os pés ao ar lhe dando a perspectiva de um gigante, brincou de esmagá-las. se ao menos estrelas, mas veio antes delas, era o sol que lhe cobria. se percebeu procurando fugas, até gostou, pois o pensamento estava forte e isso lhe assustava. pensou nas duas formas de fazer aquilo que estava ali para ser feito. uma leve e cheia de vida feito o pássaro, outra gelada do encontro com o aço, que ele não estava ali para ser espelho mesmo, mas logo abandonou o pensamento, pois na hora que fosse, seria era de qualquer jeito. a verdade é que ela tinha dúvidas além de tudo e o que ela não sabia era do motivo. falariam, ela sabia. até brincou de ouvir diálogos ao seu respeito, os absurdos que as pessoas falam. conseguia rir do ridículo. pensou que talvez uma grande doença do mundo fosse a miserável busca por motivos. nada por ser, nada essencialmente bastava. gostou de perceber que não procurava um. sentia-se leve, tão leve que certamente poderia voar. talvez fosse a hora chegando e o jeito se anunciando e ela nem sequer se preparando, que o que queria, ela queria era de qualquer maneira. lembrou da música que falava do querer puro e simples, pediu desculpas as formiguinhas por compará-las aos humanos e quis como nunca. sem nada sob os pés, o vento e a física casaram-se. e foi como jamais, foi tanta vida lhe entrando o corpo que o coração desconhceu. eternizou-se ali que não tinha mais jeito de aguentar novamente a desvida que era tocar aquele asfalto. a faca já fora da calçada refletia os olhos famintos dos gigantes de agora.
livia bluebird, 3:03 AM | 2 comments

quinta-feira, março 15

eu poderia virar o rosto, dar meia volta ou tentar evitar, que não tinha jeito. percebendo os dedos pela dor que as unhas roídas me causavam, eu, definitivamente, tive a certeza: isso era a minha vida. ou isto. não tão distante pra chamar de aquilo, que tudo acontecia mesmo era bem diante de mim, ou bem mesmo em mim. e que estranho me soou naquele momento essa coisa toda de vida. então percebi também minha batata da perna. eu me lembrei que possuía uma batata da perna quando fui picada por uma muriçoca que quase morre do choque com os dedos, mas que foi-se levando consigo meu sangue. enquanto o sono não vem eu descubro, perdida em tempos verbais, a minha vida. sei que parece miserável falar isso depois de longos sérios anos, mas foi olhando nomes de árvores exóticas num catálogo mal estruturado que descobri de uma vez por todas que não tem mais jeito, é isso mesmo e olhe lá - olhando. eu nunca absorvi direito a regrinha do mal com l e do mau com u, mas o catálogo era ruim mesmo, nem tem aquela árvore que apontei outro dia, talvez porque seja mato. e mato cachorro come quando tem dor de barriga, mato mãe arranca do jardim, mato é planta de terreno baldio. e foi vendido assim mesmo, nosso espaço verde foi embora, feito muriçoca, levando nossos lotes de sonhos. e eu só queria uma rede, é sonho pequeno que carrego, mas não consigo comprimi-lo ao espaço que nos cabe na cidade. o mar da minha janela também se foi. ou foi a janela que se fechou pra nunca mais? ou foi pra sempre? esses oitos deitados me confundem, acho que porque inalcançáveis, unidade desconhecida, olha que janela difícil. e tinha frestas de madeira por onde adentrava todo o sossego e o cheiro de mar e o som do mar e eu já toda me afogando no mar da sala de estar. eu que prendia a respiração fechando os olhos, que nadava numa cadeira e dançava feito peixe grande. pois é, porque se é pra falar de vida eu falo mesmo. e nem ajeito as frases, que na vida, o que me surge é tudo torto. e mamãe com papos de dividir imóveis entre filhos e eu pensando que coisa besta que é crescer. mãe, eu só queria uma rede. nem de parede e nem nada, me dê rede e coqueiro. e por favor, não ponha à venda que meu lote de renda e sombra não aguentaria. e a muriçoca indo com meu sangue pertubado e eu pensando, vai, mistura meu sangue com o sangue de outro alguém e funde a cuca e põe à venda e pica meu sonho (que é pra perceber que tenho um) e vende meu coco e vive minha rede. e quando júpiter foi ao chão eu estendi a mão e guardei no bolso. cartas japonesas não morrem nunca mais, mas me acertaram a batata da perna - e nem queria me apossar da ilha. vai, passa minha vida numa prensa, recorta em formato a4 e me entrega por entre as frestas de madeira, feito antes, quando e por onde a vida costumava me adentrar. ronc
livia bluebird, 3:07 AM | 4 comments

segunda-feira, março 5

livia bluebird, 3:50 PM | 4 comments