lugar-comum.

caleidoscopicamente existindo.

(é proibido proibir.)

domingo, novembro 6

quando criança eu tinha o dia todo para brincar. ia para a escola brincando, se chorava era consequência de alguma brincadeira, se sorria, mais ainda. o tempo todo ao meu lado, de braços cruzados me vendo espalhar os brinquedos pela casa. um ano era uma eternidade, tanto tempo que eu nem ousava entender ao certo quanto era ou quando acabaria. eu apenas não pensava nisso. aí eu fui crescendo e eu aprendi a ler. os caminhos pareciam mais curtos agora que eu sabia o que diziam as placas. eu lembro de criticar, aos seis anos de idade, outdoors mal escritos. depois eu aprendi a matemática e a ciências e tudo ao meu redor agora tinha uma explicação. nada do que via passava despercebido sem que eu esboçasse alguma dúvida ou constatação. e por essas alturas um ano já significava trezentos e tantos dias. é muito, mas a mamãe diz que o tempo tá correndo, então acreditei, é mamãe quem diz. lembro que fiz belas amizades, tinha quatro bons amigos e uma era até de fora. lembro que ela iria embora no final do ano, ela iria embora no final desses trezentos e tantos dias. lembro também que a gente tava jogando bola na parte lateral da escolinha quando o tempo parou de sorrir, descruzou os braços e começou a correr. e então ela foi embora. era natal e ano que vem eu iria para um colégio grande, um colégio super grande, um colégio com tantas pessoas que eu não iria conseguir encontrar bons amigos entre a confusão. mas fui, mamãe queria, então eu fui. lá eu tinha o triplo de matérias para decorar, eu não gostava de ninguém da minha sala, eu tinha medo dos professores, e eram tantos!, mas tudo bem, a vida é realmente assim, eu vi no jornal na parte de trás da capa que viver é realmente estar em conflito com sua rotina, o jornal dizia então havia de ser verdade. agora eu entendia, mas pelo menos o ano estava passando ligeiro. saiu ano e entrou ano e eu tinha alguns coleguinhas. na água eu só recebia elogios e eu sempre conseguia passar para a turma mais velha, agora a piscina que eu competia era a tão temida piscina dos grandes. a piscina era realmente o mundo e o professor então disse que eu precisava melhorar a minha respiração. mas que nada, eu tinha mesmo era que ir pra casa e fazer o trabalho pra amanhã. eu fiz algumas amizades e eu jogava bola com a maioria delas, mas teve um dia que elas não quiseram mais, apenas não. foi nesse exato dia que eu percebi que eu não estava acompanhando o tempo, mas era a vida, havia de ser chata assim, tinha no jornal. por essas alturas eu nem sei o que tinha lido no jornal anos antes, só sei que devia aceitar, porque no jornal... e os trezentos e tantos dias agora não davam pra nada. e o pior de tudo é que se aproximava um monstro chamado vestibular. sim, era assim que eu encarava esta coisa, até mesmo antes de entender o que era. sabia apenas que todos temiam e decidi que deveria temer também ou apanharia de toda a sociedade. a piscina se tornou pequena, as aulas repetitivas, tudo era um saco. agora a única coisa que realmente me interessava era dormir. fui pra casa dormir. o tempo estava realmente passando e eu queria dormir. e o tempo realmente passou. e eu enlouqueci diante desta coisa vista como monstro em outros tempos e o fim do ano.. cuidado, que o fim do ano está bem pertinho. ouvi isso o ano inteiro. correu, correu e ainda continua. não sei o que significa viver intensamente para as pessoas, mas acredito que o tempo passa correndo para essas também, porque de tudo que eu não entendo na vida, uma pelo menos eu tenho certeza ainda que não saiba exatamente o porquê: foi o tempo que se fez inimigo.
livia bluebird, 9:48 AM | 4 comments

4 Comments:

lindo, lívia. eu devia saber escrever pra vc =~
Anonymous Anônimo, at 6/11/05 3:25 PM  
Talvez "viver intensamente" na cabeça da maioria das pessoas significa "aproveita a vida" e fazer aquelas coisas clichês de sempre: sair todo dia, beijar mil bocas, beber até cair e outras bobagens do tipo. Tolice. Ninguém nunca pensou que quando disseram "viver intensamente" estavam querendo dizer "Aproveitem o pôr-do-sol, observem os passarinhos, o céu, o mar, as estrelas; um dia você morre e tudo acaba"?
Anonymous Anônimo, at 7/11/05 10:14 AM  
butterfly, seja lá quem você for, gosto do que diz nos comentários.
e insisto em não entender o viver intenso dessas pessoas tão rasas. o paradoxo mais gritante, talvez.
Anonymous Anônimo, at 8/11/05 7:00 AM  
"A consciência da morte nos anima a viver mais".
Li num livro.

Se você pára pra pensar em quantas coisas você perde olhando só "pra dentro", você passa a entender a importância das coisas simples. Não que um momento de "pessoa rasa" nos faça mal, mas ter a consciência de que algo superior existe nos faz viver em equilíbrio. Equilíbrio consigo mesmo, com a humanidade e com a natureza.

"Todos nós vivemos em nosso próprio mundo. Mas se você olhar para o céu estrelado, verá que todos este mundos diferentes se combinam, formando constelações, sistemas solares, galáxias".
Anonymous Anônimo, at 8/11/05 11:46 AM  

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